sábado, 15 de maio de 2010




Muito prazer, sou uma
Assistente Social.
Há várias perspectivas a partir das quais a temática do projeto ético-político profissional pode ser abordada. 
Como sou assistente social há várias décadas, é com esta profissão que venho atravessando a vida e construindo a minha história. Com ela realmente me construí, pois é uma profissão que traz muitos desafios, mas traz também muito retorno. Assim como os ferroviários ingleses responderam ao historiador Edward Thompson (1948, p. 36), quando perguntados sobre a árdua tarefa de construir ferrovias: “nós construímos a ferrovia, mas ela também nos construiu”, posso, com convicção, afirmar que contribuí muito para a construção do Serviço Social, mas ele também me construiu. Profissionalmente, como assistentes sociais, somos colocados muito próximos daquilo que é essencial na nossa vida, que é a possibilidade da construção coletiva e da intervenção no próprio tecido social.
Somos profissionais que chegamos o mais próximo possível da vida cotidiana das pessoas com as quais trabalhamos. Poucas profissões conseguem chegar tão perto deste limite como nós. É, portanto, uma profissão que nos dá uma dimensão de realidade muito grande e que nos abre a possibilidade de construir e reconstruir identidades – a da profissão e a nossa – em um movimento contínuo.
Como pesquisadora deste campo temático da identidade, em suas relações com a história, a cultura e os processos sociais, em geral, quero ancorar minhas reflexões nas questões da identidade profissional que permeiam a construção do projeto ético-político do Serviço Social.
Somos uma profissão com mais de cem anos no mundo e, tomando por referência a criação da primeira Escola de Serviço Social em 1936, em São Paulo, estamos completando setenta anos de Serviço Social no Brasil. Trata-se, sem dúvida, de uma trajetória longa, fecunda, profundamente identificada com a construção do campo dos direitos sociais no Brasil, porém preocupa-me constatar que algumas vezes estamos construindo identidades pela negatividade, visualizando-se o Serviço Social como uma profissão que atende a tudo aquilo que não é específico das demais profissões sociais.
É muito importante que possamos construir identidades pela positividade. Identidades pedem reconhecimento, reciprocidade, são construções coletivas. Não há como construir identidades de modo solitário e ninguém constrói identidade no espelho, pois ela é construída no cenário público, na vida cotidiana, juntamente com os movimentos sociais, com as pessoas com as quais trabalhamos.
Creio que um primeiro movimento que o trabalho com a identidade me ensinou, foi exatamente o de recuperar a centralidade do humano, de reconhecer os sujeitos sociais com os quais atuamos como legítimos construtores da prática social. Nós não construímos sós a nossa prática profissional4, o fazemos de modo inclusivo com todas estas pessoas, sejam elas crianças, adultos, anciãos, o morador de rua, pois não há ser humano sem história, assim como não há identidade sem escuta.
É fundamental que reconheçamos a importância de nossa profissão ao abrir espaços de escuta para estes sujeitos que, muitas vezes, nem, sequer são alcançados por outras profissões. Com freqüência somos nós, assistentes sociais, os interlocutores deste segmento que praticamente já não mais interessa a quase ninguém. Homens de rua não votam, imigrantes estão sem trabalho, anciãos não são produtivos sob o ponto de vista do mercado, enfim este é o segmento pensado por muitos como uma população sobrante, sem inserção no mercado de trabalho.
Em uma sociedade, como a nossa, que se organiza por esta lógica de mercado, as pessoas são importantes enquanto são produtivas e quando não produzem, é como se já não fossem nem sequer seres humanos. É impressionante constatarmos como o econômico invade as relações sociais e como certas práticas retiram cidadania dos sujeitos, fragilizando a sua já frágil condição humana. Não dialogam com os sujeitos em sua plenitude, desconsideram a sua consciência política, reduzindo o campo de intervenção do Serviço Social ao mero atendimento pontual da solicitação das pessoas. Nosso ato profissional é muito mais pleno do que o atendimento imediato da solicitação. Certamente, vamos prestar o atendimento, mas tendo até mesmo a coragem em alguns momentos de recolher aquele gesto espontâneo da resposta imediata.
A nobreza de nosso ato profissional está em acolher aquela pessoa por inteiro, em conhecer a sua história, em saber como chegou a esta situação e como é possível construir com ela formas de superação deste quadro. Se reduzirmos a nossa prática a uma resposta urgente a uma questão premente, retiramos dela toda sua grandeza, pois deixamos de considerar, neste sujeito, a sua dignidade humana.
Em um belo texto, intitulado “O narrador”, o filósofo Walter Benjamim (1994, p. 220 - 221), refletindo sobre o alcance das práticas humano-sociais, nos diz que é preciso construir práticas que nos permitam unir “a mão e o gesto, a voz e a palavra”, ou seja, que tenham inteireza, que se façam a partir da centralidade do humano.
É assim que temos de pensar em nossa profissão: uma profissão que através de sua intervenção na realidade, de sua interlocução com os movimentos sociais, com os setores organizados da sociedade civil, participa da reconstrução do próprio tecido social.
A partir das práticas que realizamos, dos processos políticos dos quais somos protagonistas como profissionais e como cidadãos, participamos sim da construção de uma nova sociedade.
Que tenhamos, portanto, a firmeza de declarar “muito prazer,sou um assistente social”.

Maria Lúcia Martinelli

Fonte: http://www.uepg.br/emancipacao/pdfs/revista%206/Artigo%201.pdf